APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS DA IDEIA DE MINEIRIDADE
Quantas Minas e Gerais são reconhecíveis dentro desse mesmo estado, cheio de semelhanças e diferenças, que funcionam, muitas vezes, como uma síntese de todo o Brasil? Há um sentido real no conceito de mineiridade? Ele consegue dar conta de todo um sentimento que aproxima populações tão diversas dentro de um mesmo lugar? É possível dizer, portanto, de um cinema mineiro ou de uma estética mineira? As respostas para as perguntas anteriores podem ser tanto positivas quanto negativas. Há, no conjunto de filmes que compõem a Mostra Foco Minas, uma miríade de situações, narrativas, histórias, estéticas, plasticidades, cenários e dramaturgias que seriam suficientes para traçar um real panorama de uma produção sempre pungente e plural dentro de Minas Gerais. Na seleção dos oito curtas-metragens que compõem esse caleidoscópio cinematográfico, percebe-se uma diversidade de lugares que estão para além da capital, Belo Horizonte. São filmes que estão no entorno do centro político e administrativo do estado, como também em regiões marcadas pela mineração ou por paisagens naturais que ainda resistem frente às intempéries de um capitalismo tardio industrial e maquinário que coloca em risco algumas formas e meios de existência.
Nesse sentido, o filme que abre a primeira sessão da mostra, O Lado de Fora Fica Aqui Dentro, de Larissa Barbosa, de Contagem, oferece o trânsito entre a periferia e o centro de tudo, se concentrando no coração de Belo Horizonte, no caso, o Palácio da Liberdade, antiga sede do Governo do Estado. Em gesto que mistura o realismo do trabalho e as fantasmagorias do poder, o filme mostra duas personagens, dois corpos negros, que transitam diante dessas estruturas de força da cidade e seus entornos. O filme busca no naturalismo da dramaturgia a constituição de uma narrativa que eleva uma história de desapropriação e da relação com os espaços urbanos. No segundo curta da sessão, Nação Comprimido, de Bruno Tadeu, de Belo Horizonte, o traço principal é o investimento em uma narrativa de gênero, a comédia, para traçar o retrato de uma militância gay da terceira idade. Os personagens, pouco vistos nas cinematografias mineira e brasileira, oferecem destaque para a expressão desse processo de envelhecer e ainda se constituir no campo dos desejos e afetos. A terceira obra apresenta essa relação entre os espaços rurais e urbanos. Em Eu Não Posso Fazer Nada, de Tiago Tereza, o cenário é a comunidade de Macacos, localizada em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, marcada pela presença muito latente da mineração e das consequências dessa presença para quem vive nesses lugares. Em uma casa de campo, mãe e filha coabitam e tentam conciliar pensamentos e reflexões diante da tensão do exterior. Essa proeminência do lado de fora é o leitmotivpara que o cinema e seus artifícios deem vazão a vários dos sentimentos que acompanham as duas personagens. Por fim, na última exibição dessa sessão, Soneca e Jupa, de Rodrigo R. Meireles, de Conselheiro Lafaiete, a constituição dos espaços se dá a partir de um gênero consagrado na história do cinema: os filmes de viagem. Dois amigos percorrem paisagens naturais de Minas no intuito de vender a Kombi de um deles. Durante a viagem, entre conversas e cachoeiras, encontram na amizade a força para a superação dos problemas pessoais e dos ritos de passagem desse momento específico da vida de ambos.
A segunda sessão da Mostra Foco Minas é aberta pelo filme Lapso, de Belo Horizonte, dirigido por Caroline Cavalcanti. A partir de um investimento em uma dramaturgia naturalista de personagens das bordas, que tem sido a marca de muitas ficções mineiras, o curta traz, em sua narrativa, as relações e afetos de dois personagens que cumprem medidas socioeducativas em uma biblioteca da cidade. Bel, que é uma Pessoa com Deficiência (PcD), e Juliano, são dois jovens negros da capital que transitam entre os espaços da cidade que esquadrinham essa relação de proximidade entre os dois. Se no primeiro filme o afeto é uma das marcas principais, no segundo, Altar, de Carol Fonseca, de Nova Serrana, a experimentação de linguagem é a base da investigação a respeito da religiosidade e onipresença. Ao retratar as rezas das personagens, em construção com fotografias e sequências de rostos, o curta se constitui como um espaço sagrado para o ressurgimento da memória de quem se foi. O colapso e o símbolo da violência estão presentes no terceiro filme da sessão, Água Rasa, de Dani Drumond, realizado na região do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Ao articular documentário e ficção, o filme trafega pelas águas contaminadas do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem. O filme, a partir de imagens de cima e de dentro, estabelece uma conexão com as histórias soterradas, fazendo emergir a daqueles que resistem frente a uma das maiores tragédias do estado de Minas Gerais. Quem fecha a Mostra Foco Minas é Noite Neon, de Claryssa Almeida e Pedro Estrada. A noite e os personagens de Belo Horizonte são aqui retratos entre o trabalho e o sonho, entre os esforços do dia a dia e a figuração do onírico a partir da música e da luz que ganham a cena por meio de cortes e rupturas entre o documentário e a ficção. O curta-metragem traz, essencialmente, Belo Horizonte e suas fulguras noturnas como mote e personagem de um filme que procura dar voz a personagens por vezes à margem.
Camila Vieira
Leonardo Amaral
Lorenna Rocha
Mariana Queen Nwabasili
Pedro Guimarães
Curadores