TIJOLO POR TIJOLO E TRÓPICO DE LEÃO: SONHOS, QUIMERAS E DESEJOS EM PERSPECTIVA
Nas Sessões Debate desta edição, a Mostra de Tiradentes apresenta dois filmes que, além de provocarem discussões sobre a atualidade, se debatem internamente em seus temas e formas. Enquanto Tijolo por Tijolo, de Victoria Alvares e Quentin Delaroche, opta por uma narrativa documental de observação para buscar uma síntese fragmentada de um recorte da sociedade brasileira contemporânea, Trópico de Leão, de Luna Alkalay, apresenta a subjetividade da diretora em um filme ensaio complexo que tem na palavra sua base de expressão.
Em Tijolo por Tijolo, de saída, um menino na idade da “porteira” fala sozinho e com o mundo por meio do telefone celular: “Meu sonho é ser rico, é ser um médico”. Na intimidade dos personagens com a câmera, o documentário revela um traço conhecido da contemporaneidade: o computador de bolso tornou-se uma extensão do nosso corpo e do nosso imaginário, do sonho. Em meio a tijolos e telefones, tragédias e conquistas, teologia da prosperidade e confraternizações festivas, brilha a capacidade brasileira de absorver e transformar ideologias, costumes e objetos em algo inteiramente novo e original. “Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. […] Fizemos foi o Carnaval”, brada Oswald de Andrade em seu manifesto. Podemos festejar ou lamentar, mas margem e centro nunca estiveram tão próximos.
Quase 50 anos depois de lançar o filme recentemente restaurado Cristais de Sangue (1975), Luna Alkalay apresenta seu Trópico de Leão. Nesse filme que alterna mesa de ensaio, ficção e narração pessoal, a cineasta elabora as dores de uma relação malfadada. Como uma feiticeira, Alkalay convoca personagens mitológicos para tecer uma trama que versa sobre amor, sexualidade, machismo, envelhecimento e morte. Eco, Penélope e Medeia, além de Narciso e Caronte, são interpretados por grande elenco e declamam textos filosóficos e poéticos que darão corpo à intimidade compartilhada da encenadora. Na polifonia das chagas históricas das mulheres, Alkalay encontra o lugar exato onde passado e presente se encontram.
Francis Vogner dos Reis
Juliana Costa
Juliano Gomes
Curadores