OS TEMPOS SÃO OUTROS
Começou quase por acaso e avançou com critério. A Mostra de Cinema de Tiradentes foi planejada inicialmente para ser um programa de abertura do Centro Cultural Yves Alves, e já em sua primeira edição, em janeiro de 1998, nasce também para ser a grande aliada do cinema brasileiro, unindo o propósito de dar uma destinação ao equipamento cultural da cidade, ao mesmo tempo que cria sua identidade de vanguarda no circuito de mostras e festivais do Brasil, ao propor uma programação abrangente para além da exibição de filmes; incluía ações de formação, reflexão e difusão do cinema brasileiro e da nossa cultura.
No decorrer de sua trajetória, encontrou o equilíbrio entre o grande evento e o clima de um encontro aconchegante, no qual todos falam olho no olho, inclusive na relação cineastas-espectadores, críticos-cineastas e espectadores-críticos, e firmou sua identidade própria, de modo a conquistar cada vez mais sua legitimação pela seriedade, pelo compromisso ao prezar e promover o diálogo entre as diversas forças constituintes de uma cinematografia, pela ousadia de sua programação em apresentar ao público os filmes brasileiros de todos os gêneros e formatos, um retrato fiel do tempo presente da cinematografia brasileira.
Olhando desde o início e, em 2025, comemorando 28 anos de existência, podemos afirmar que a Mostra de Cinema de Tiradentes tornou-se um espaço rico e generoso de exibição, formação, apreensão e discussão do cinema brasileiro. Um trabalho coletivo, participativo, democrático, que sempre esteve à frente de seu tempo, atento às mudanças do audiovisual, seja do ponto de vista tecnológico, seja pelo ponto de vista de quem pensa, vê e faz cinema. Um ambiente de encontros, de gestação de parcerias profissionais, de inovação e tendências, de interação crítica no cinema do país.
A Mostra Tiradentes tem se caracterizado também pelo ecletismo, não apenas porque investe no cinema de maneira ampla, mas também por ser uma janela aberta, sem rótulos, sem receios de apresentar a produção brasileira como resposta ao país. Exibe filmes que rompem com as velhas e clássicas estruturas de fazer cinema, filmes que ousam em suas linguagens e estéticas, em seus processos de criação, filmes que atravessam e fazem conexões com as outras artes, filmes de realizadores inventivos que apresentam novas maneiras de lidar com suas obras.
O cinema jovem e o experiente conjugam o mesmo espaço de exibição e de fala na Mostra Tiradentes, que tem como uma de suas principais características a capacidade, ano a ano, de lançar um olhar diferente sobre o cinema brasileiro e, consequentemente, sobre o Brasil. Apresenta um novo cinema, com propostas diferentes, com independência de linguagem, um desafio a ser elaborado, que expressa algo, não apenas um produto para o mercado, e ainda revela novos profissionais – à frente e atrás das câmaras – recriando e imaginando, a partir da estética cinematográfica, nosso país.
A Mostra de Cinema de Tiradentes chega a sua 28ª edição, de 24 de janeiro a 1º de fevereiro de 2025, enfocando a temática “Que Cinema é Esse?” e reafirmando seu papel de ser plataforma de lançamento do cinema brasileiro contemporâneo, apresentando ao público a diversidade da produção brasileira, com novas representatividades, com novas abordagens, personagens, estéticas, com as permanências e mudanças e com as recepções críticas desse fazer cinematográfico, além promover intensas atividades de formação, como debates, encontros e diálogos audiovisuais, rodas de conversa, oficinas, laboratórios, lançamento de livros, performances, exposições, atrações artísticas.
A coordenação curatorial do evento é assinada pelo crítico Francis Vogner dos Reis, que divide a seleção de longas com Juliana Costa e Juliano Gomes, assistidos por Rubens Anzolin. A seleção de curtas ficou a cargo de Camila Vieira, Lorenna Rocha, Leonardo Amaral, Mariana Queen Nwabasili e Rubens Fabrício Anzolin e assistência de curadoria de João Rêgo.
Vamos inaugurar o calendário audiovisual brasileiro em um grande encontro com o público num momento de celebração de importantes conquistas para o setor audiovisual em 2024 e num cenário de grandes desafios e expectativas para o setor em 2025. A Mostra realiza a 3ª edição do Fórum de Tiradentes – Encontros pelo Audiovisual Brasileiro que propõe oferecer um espaço de reflexões e busca revisitar propositivamente a complexidade atual do audiovisual brasileiro.
Extensão fundamental da programação de filmes na Mostra Tiradentes, o debate representa um dos eixos principais da programação e reúne profissionais nacionais e internacionais no centro das discussões das edições anuais do Seminário do Cinema Brasileiro, dos diálogos audiovisuais, rodas de conversa, para refletirem o momento atual do cinema e contribuírem com olhares variados à temática proposta e aos filmes apresentados a cada edição. Numa iniciativa pioneira no circuito de festivais, promove, desde a 9ª edição do evento (2006), a série de encontros com pensadores-teóricos-críticos que são convidados para, junto com o diretor, apresentarem ao público o melhor pensamento crítico da obra assistida.
Fomentar ações de formação é também um dos pilares da Mostra Tiradentes, que desde sua primeira edição lança, de forma pioneira, o compromisso de promover anualmente oficinas profissionalizantes visando oportunizar, valorizar e contribuir para a formação no segmento audiovisual – questão vital para o desenvolvimento da indústria cinematográfica no país.
A Mostra vai sediar mais uma edição itinerante do Brasil CineMundi, denominada Conexão Brasil CineMundi, que introduziu uma nova categoria para longas brasileiros – a Work In Progress (WIP), programa que reúne ações de difusão e internacionalização do cinema brasileiro, promovendo a visibilidade do cinema, apresentando ao mercado internacional a diversidade da cinematografia brasileira e o seu potencial criativo. Além de sessões e encontros WIP, integram o programa de formação audiovisual, com a realização de laboratórios de desenvolvimento de projetos, exibições dos filmes brasileiros em pré-estreia, debates e networking. Foram selecionados cinco filmes de longa-metragem, na categoria Corte Final, que serão apresentados para uma plateia de profissionais da indústria audiovisual internacional e players nacionais.
Arte por toda parte. O cinema em diálogo com as outras artes integra também a programação do evento. Exposições, lançamentos de livros, cortejo da arte, shows musicais, teatro de rua, dança, artes visuais, intervenções artísticas, performances ganham espaço nas telas, nos palcos, praças e ruas tricentenárias de Tiradentes, mesclando linguagens, formas e expressões artísticas.
Nestes 28 anos de Mostra Tiradentes, muita coisa mudou. A humanidade viveu tempos dramáticos em meio ao avanço tecnológico mais veloz de que se tem notícia desde o invento da roda. A tecnologia saltou de um milênio analógico a um milênio digital, uma revolução ainda mais acelerada no cenário da pandemia de covid-19. O cinema se abriu em um complexo audiovisual, em ramificações conectadas, convergentes e explosivas – a internet, suas redes sociais, plataformas de streamings e multiplicação de telas. Os modelos de produção, exibição e negócios mudaram, enfrentaram desafios, cruzaram fronteiras, se ampliaram. As formas de consumo e as relações tempo e espaço também. As tecnologias abriram novas possibilidades de visionamento dos filmes para além da sala de cinema. As redes sociais e o streaming abalaram toda uma estrutura de circulação das obras e abriram também novas formas de exploração comercial.
Uma revolução de novas possibilidades de expressão estética, da interatividade à realidade virtual, dos novos cenários e modelos de negócios; tudo que a pandemia mudou drasticamente, no segmento audiovisual, nos campos da produção, preservação e acesso foi sentido. A multiplicação de telas realizou uma parcial integração entre mídias e criou disputas entre o antigo formato televisivo, com canais de TV aberta e paga, e os serviços de streaming de grandes corporações internacionais viram seus assinantes se multiplicarem.
O Brasil é um dos maiores mercados consumidores de VoD do mundo e ainda não implantou qualquer regulação para o serviço de streaming. Chegou a hora de lideranças políticas, representantes do poder público e profissionais do audiovisual debaterem e implantarem um modelo de regulação que queremos no Brasil.
Os tempos são outros e, mesmo assim, o cinema resiste e permanece, modifica e se expande, ganha as telas maiores e menores, os dispositivos móveis, as plataformas; ganha o mundo, em busca de novos olhares, em nome da diversidade, sem protocolos e consensos de estilos.
Em 2025, vamos celebrar e viver a Mostra Tiradentes em seus 28 anos. Erguer toda a infraestrutura para sediar uma programação cultural abrangente e gratuita que é sinônimo de um trabalho coletivo e determinado. E como diz Guimarães Rosa, o que tem de ser, tem muita força. Persistimos com a força que brota da alma, que impregna, que faz acontecer. E acreditamos que ao lado da mais relevante produção audiovisual brasileira devem estar os patrocinadores, os parceiros, o poder público, a iniciativa privada, as entidades de classe, os profissionais da cultura, do audiovisual, as comunidades, os veículos de comunicação e o público – questão vital e ação estratégica no desenvolvimento de uma nação.
Há 28 anos, a Universo Produção realiza a Mostra Tiradentes. Um tempo sublime de ideias e conquistas, de enquadramentos que expressam a arte de seus gênios em imagens livres que revelam a face do Brasil sobre os efeitos do tempo.
Sejam bem-vindos e bem-vindas!
Vamos viver juntos o tempo contemporâneo do cinema brasileiro.
Raquel Hallak d’Angelo
Quintino Vargas Neto
Diretores da Universo Produção e Coordenadores da Mostra de Cinema de Tiradentes