A PRESENÇA E A FORÇA ICÔNICA DE BRUNA LINZMEYER

Existem alguns tipos de atrizes de cinema, mas três desses tipos nos parecem sínteses elementares da relação do olho da câmera com essa presença à frente dela. O primeiro tipo é o da atriz versátil, que a cada papel parece reinventar o próprio corpo e imprimir a ele um ritmo próprio (Gena Rowlands); o segundo tipo é o da atriz que, mesmo a despeito de seu instrumental dramático, cada papel afirma uma persona única, ao passo que temos dificuldade em chamá-la pelo nome da personagem e insistimos no da atriz (Maria Gladys); o terceiro tipo é aquela que possui uma vocação para a fotogenia, qualidade – segundo Jean Epstein – própria do cinema, inefável e imponderável, em que a imagem na tela ganha uma extraordinária intensidade (Monica Vitti). Ainda que de saída pensemos que a câmera se fixa a Bruna na lógica da terceira categoria, sabemos que ela também é versátil e hoje, particularmente nos filmes, ela está ligada ao imaginário LGBTQIA+, ou seja, a participação dela nos filmes sempre vem com uma forte carga de representatividade nela e para além dela.

Os dois filmes da Mostra Homenagem representam momentos diferentes na carreira: em A Frente Fria que a Chuva Traz, do grande Neville d’Almeida e baseado em texto de Mario Bortolotto, Bruna Linzmeyer faz Amsterdã (de cabelo descolorido e sombra preta – o nome é sugestivo), a protagonista do filme, uma garota que frequenta as festas de playboys da Zona Sul em uma laje no Morro do Vidigal para tomar drogas; em Baby, de Marcelo Caetano, teve sua estreia em Cannes e nele Bruna Linzmeyer (de cabelos compridos e castanhos) é Jana, uma cabeleireira casada com Priscila (Ana Flavia Cavalcanti) que forma uma família alternativa com Baby (João Pedro Mariano) e Ronaldo (Ricardo Teodoro). A Frente Fria é no Rio, com o cenário de mar azul reluzente ao fundo das Lages do Vidigal, e se faz em torno da perversidade de um pequeno grupo abastado e seus teatrinhos de microterrorismo entre eles; Baby é um filme paulistano e a sua paisagem é o centro noturno, na sua intensidade perigosa, erótica, o mundo do trabalho e das formas de vida novas ou não normativas em que a solidariedade é ética básica da sobrevivência.

Bruna Linzmeyer aparece diferente em ambos os filmes. Suas performances se fazem na sua entrega a cada um dos papéis, que possuem temperamentos diferentes e resultados distintos. É possível ver isso no conjunto de filmes que será exibido online no site do festival, na série Notícias Populares, de Marcelo Caetano, nas suas incursões televisivas. Questão de técnica, mas também de sensibilidade. Linzmeyer é uma atriz que se submete à personagem, mas a locupleta ao lhe entregar algo novo, que o roteiro pede, mas que ainda não está pronta. Diferente de muitos casos que vemos, inclusive celebrados, Linzmeyer nunca faz da personagem mero veículo de sua persona, ela modula sua presença, intensidade e inflexões à trama, ao ambiente, à troca com os outros atores e atrizes. Características de uma grande atriz que trabalha de maneira conscienciosa e com um empenho muito fino na construção do seu ritmo interno e da sua performance. O cinema brasileiro contemporâneo quer ver mais (ainda) Bruna Linzmeyer na tela.

Francis Vogner dos Reis
Coordenador curatorial