A DIVERSIDADE IMAGINATIVA DO CINEMA BRASILEIRO EM DOIS FILMES: OESTE OUTRA VEZ E SEM VERGONHA 

Nesta 28ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, a Mostra Vertentes apresenta dois filmes que dialogam com estruturas consolidadas do cinema e da arte: Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, que no título já evoca o gênero do western; e Sem Vergonha, de Rafael Saar, que faz um exercício de interlocução entre o teatro, o cinema e o gênero musical. São dois filmes que se integram às narrativas da história da arte para rever os gêneros aos quais se remetem explicitamente. 

Oeste Outra Vez joga com aspectos do faroeste em uma trama que se passa no Sertão de Goiás. Os vazios da paisagem – essa que localiza o homem em desvantagem em relação à natureza, inclusive a natureza própria do homem – são explorados pelo olhar de Rassi. Mas aqui, o que seria instinto primordial, o desejo de matar, de eliminar o inimigo, é substituído pelo enfado. Encontrando diferentes enlaces em relação ao gênero ao qual se filia, Oeste Outra Vez não conclui a expectativa dos embates com mortos. O morto que acompanhamos ao longo do filme é o tempo. O calor excitante do revólver é substituído pela  modorra dos desprovidos de devir. Se no gênero do mito de fundação do Estado norte-americano, o ouro, criador da civilização, é o que alimenta a narrativa, no interior do coração do Brasil, o que encaramos é o tédio da escassez. 


Em contraponto à austeridade de Oeste Outra Vez, o segundo filme da Mostra Vertentes, Sem Vergonha, exala exuberância ao trazer Maria Alcina a encenar a sua própria biografia. “Meu corpo é o meu palco e o meu cenário”, diz a personagem logo de início, evocando o corpo como superfície primeira da arte. Incorporando a chanchada e o teatro de revista, Sem Vergonha vem nos lembrar que o berço do travestismo é a farsa, a arte cênica, onde o artifício revela o real e o real revela o artifício. Em um tempo em que o “novo” é moeda corrente, o filme de Saar dialoga com os debates contemporâneos sobre gênero, inserindo em sua historiografia o espetáculo catártico do teatro de revista e a irreverência e os duplos sentidos da chanchada. Mas a presença pungente de Maria Alcina e sua narrativa biográfica subverte a encenação escandalosa dos palcos e nos devolve a pergunta: “Que biografia é essa?”.

Francis Vogner dos Reis
Juliana Costa
Juliano Gomes

Curadores